O MUNICÍPIO E A CIDADE DE JAPURÁ-AM

AS DISTANTES TERRAS DE OFIR


A cidade sede do município de Japurá-Am está localizada numa área regional cercada de lendas e, suposições históricas, que inebria  a imaginação de quem deseja  se embrenhar no contexto dos mundos amazônicos paralelos. Possui mais de sete mil habitantes e um conjunto panorâmico, bem aprimorado, para ser apreciado pelos que descem ou sobem pelo lendário rio Japurá durante as viagens de barco.


Se o Estado do Amazonas, localizado no extremo norte do Brasil, já possui em sua denominação oficial um cognome cujo faz alusão a uma lenda grega, proveniente das ilusões fluviais das viagens de Francisco de Orellana e de Frei Gaspar de Carvajal, no século XVI, o distante munícipio de Japurá, localizado no rio que lhe doou o nome ( rio Japurá), a noroeste da capital daquele Estado, também guarda seus mistérios lendários e mitológicos. Antes de tudo, vem a tona, de 1967, a obra positivista ( Topônimos Amazonenses) de Octaviano Mello, especulando a possível localização da ideia de que a lendária Ofir ( a cidade do Fim do Mundo), estaria localizada no Amazonas (seria o próprio Estado do Amazonas, no distante e remoto rio Japurá - o rio das cabeceiras, onde estaria a localização exata, precisamente na cidade de Japurá):


Através das décadas que se passaram, desde sua fundação, em 1955, o município de Japurá busca seu progresso e sua construção histórica de identidades, cultura, tradições e de um cenário sereno e cálido às margens do velho e misterioso rio Japurá.



"Terra de Ofir foi o nome do Amazonas pré-histórico, dado pelos hebreus e fenícios da época de Salomão (assim narra Octaviano Mello em seu Topônimos Amazonenses), que ali iam buscar ouro por ordem  do rei de Israel para a construção do grande templo de Jerusalém ao Senhor (...). A terra de Ofir, o País do Ouro, de Salomão, situada nos "confins" do mundo, no fim da Amazônia, é o Amazonas (...). Não obstante o transcendente estudo da palavra Ofir e da forma louvável por que foi admitida para se fixar no rio Yapurá ou Japurá, o distrito de Ofir ou Fim do Mundo, seria temeridade confirmar isso com aquela precisão, mesmo porque as tropas de Salomão estacionaram no rio Solimões, desde a sua foz no rio Negro, até o vale daquele rio (Japurá). Mello, 1967 pg. 23 e 24."


É simplesmente magnifico que as suposições hipotéticas do passado  ainda recaiam sobre o imaginário literário da Amazônia e, nos ofereça, uma linha mitológica de espontânea e majestosa imaginação, a atribuir   um contexto tão pertinente ao cenário da selva com uma origem tão lúdica. Essa, por sua vez, é uma origem moldada na cultura da oralidade ancestral. Por causa dessas ideias, repassadas da conotação bíblica à localização geográfica da lendária Ofir, no contexto do mundo antigo, grandes lendas foram formuladas pelos colonizadores, como a do Eldorado e das misteriosas "Cidades Encantadas". Uma coisa se mistura com as outras na Amazônia: mito e realidade. Dai pairam as dúvidas. No final do século XVIII, o cientista Alexandre Rodrigues Ferreira, em sua emblemática viagem filosófica, vindo de Portugal ao Brasil, após vasculhar vários afluentes do rio Solimões/Amazonas, ficou impedido de entrar no Japurá, devido a cortes de verba na sua viagem de pesquisa e observação do meio natural, da parte do Ministro de Portugal, conhecido à época como: o Marques de Pombal. Essa lacuna fez do Japurá ser cada vez mais distante dos outros rios. Rodrigues teve que desviar o foco pra outro sentindo, então o misterioso rio Japurá ficou fora dos estudos do pesquisador, era o ano de 1795.


 A grande escadaria que dá acesso a cidade do município de Japurá, a quem chega de barco, mostra um desafio que para muitos se inicia a partir do porto de Manaus, até se chegar no alto rio Japurá. Tudo é alto, tanto o rio quanto a escadaria. Vários pés de mangueiras, plantadas há mais de duas décadas, recepcionam aos que chegam, num boas vindas bem verde e natural.


Por muitas décadas, durante todo o século XX, na região amazônica, o Japurá ficou conhecido como: " O rio das Surpresas" . Esse apelido foi-lhe atribuído por está numa rota de pouca navegabilidade comercial dentro do Estado do Amazonas. Por isso, a cada viagem, há sempre uma nova situação por causa das mudanças naturais que ocorrem, como: surgimento de uma nova ponta de praia,  desaparecimento de outra ponta, e até um encalhamento do barco de viagem, tudo pela ação inevitável do fenômeno da erosão fluvial, conhecido na Amazônia popularmente de: "terra caída". Havia certos receios de se adentrar e navegar em suas águas no passado ( até anos de 1970). Volta e meia, durante o período da vazante do rio, era/é comum os barcos encalharem pelas centenas e centenas de praias que surgem ao longo de todo o seu percurso. Na subida do rio Japurá, até os limites geográficos com a Colômbia, existem apenas dois municípios com áreas urbanas e rurais, Maraã e Japurá. Dentro do território colombiano, onde nasce o Japurá, ele é denominado naquele país de Caquetá.




Nessa foto antiga, de família, de mais de duas décadas atrás, ver-se a mesma escadaria que dá acesso a cidade, de grandes degraus, tendo as atuais mangueiras ainda em pequenos pés dentro de gradeados de madeira pintados de branco. As mangueiras cresceram e frutificaram. E Japurá se tornou um simpático município, com uma área urbana pitoresca.


Por todo esse conjunto de ideais, e pela demora de se reconhecer todos os percursos, naturais e fluviais do rio Japurá, não apenas as teses históricas formulariam suas hipóteses, mas as comunidades locais, também, desenvolveriam narrativas de grande imaginação sobre o percurso e o cenário daquele velho rio. O escritor tefeense, Augusto Cabrolié, registrou em sua obra, "Tefé e a Cultura Amazônica", uma narrativa que finda invocando o contexto dos mistérios do memorável e velho rio Japurá aos nossos dias. Velho Japurá porque foi um rio que mantém, até hoje, sua mesma denominação histórica que as etnias nativas lhes atribuíram, sem o branco  a modificar. Memorável, porque é cenário também, dos lugares de Missão - dos padres jesuítas. Foi também, refúgio dos bravos Muras e, do antropofágico povo Miranha.   Assim narra Cabrolié,  em seu livro de 1996, sobre as lendas que cercam a foz do Japurá:



Na chegada a cidade, uma praça graciosa, de chafariz e fonte dos desejos, preenchem o olhar do viajante curioso!


O rio corria muito e a  força da água que vinha do Japurá, através do Paraná do Prego, era tão forte que formava rebojos e maresias, provocando constantes quedas do barranco e morte de crianças por afogamento. Um dia um pajé teve um sonho de que no fundo daquele Paraná tinha um " Castelo de Botos" onde estavam vivas as pessoas que foram tragadas pelo rio e que esses botos eram servidos como gente, por moças mais bonitas que as sereias do mar (...) Um dia a terra começou a cair, atingindo as casas do povoado. Então notaram que eram os botos que estavam querendo derrubar a capelinha porque os objetos sacros impediam a sua melhor atuação nos encantos, pois o feitiço do boto fazia parte da arte satânica. O pajé autorizou aos moradores se desfazerem das coisas sacras, jogando-as no rio. E assim fizeram: jogaram no rio: o sino grande, o cálice, a patena, as galhetas, o turíbulo, a campainha, a pia batismal e os parâmetros. Logo a terra parou de cair, mas os moradores, com medo de que a terra voltasse o fenômeno, no dia seguinte, pegaram os seus pertences e atravessaram o rio para Caiçara ( hoje, a cidade de Alvarães). Segundo moradores das localidades próximas e viajantes, até hoje, nas noites, houve-se o badalar de sinos, o tilintar das campainhas, choro de crianças e até o cantar de galos... (essa lenda é contada e recontada por toda a extensão do rio Japurá).



A catedral católica da cidade de Japurá se apresenta  como um belo templo católico que lembra um singelo castelo.


O município de Japurá está localizado há mais de 780 km em linha reta de Manaus subindo pelo rio Solimões. Isso, em uma viagem de barco, subindo primeiro pelo Solimões, e somente quase três dia depois, se acessa a foz do rio Japurá.  Foi fundado a 19 de dezembro de 1955. Faz limites com os seguintes municípios do Estado: Maraã, Fonte Boa, Tonantins, Santo Antônio do Içá, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira e, a Colômbia. Como na maioria dos cenários amazônicos das cidades interioranas, as características físicas da engenharia arquitetônica da história da cidade, estão realçadas pelos templos católicos e suas manifestações religiosas que constroem a identidade social e cultural local. O município tem como padroeira católica Nossa Senhora de Aparecida. A cada 31 de março, de cada novo ano, o povo japuraense celebra a data de aniversário de sua cidade. E assim, se renovam as esperanças de se ter ao futuro uma próspera  cidade nas cabeceiras do distante rio Yapurá.



A primeira igreja da comunidade nos anos de 1980 ( no plano de fundo). Após, foi construída a atual igreja de Nossa Senhora Aparecida.


O município de Japurá se originou das extensas áreas territoriais do município de Tefé. A partir da década de 1930 o Amazonas começa a criar vários municípios. Na área da Corte do Solimões, Tefé possuía uma área de mais de 500.000 km². Durante todo o século XIX, Japurá permaneceu como uma área do município de Tefé, um simples distrito. E somente em 1955 conseguiu ser desmembrado, dando início a um novo percurso de sua história moderna. Por ser uma área fronteiriça, fazendo limites territoriais com a Colômbia, Japurá é enquadrada como Área de Segurança Nacional em 4 de junho de 1968. Em 10 de dezembro, de 1981, o distrito de Vila Bittencourt, em Japurá, é emancipado e o município perde parte de seu território para este. Entretanto, tempos depois, Vila Bittencourt perde o status de município e volta a pertencer a Japurá, até os dias atuais. 



As cidades ribeirinhas do interior do Estado do Amazonas têm essa visão fluvial ao cotidiano. O rio que passa descendo todos os dias, é o único elo de esperanças ao povo que constrói suas vidas emaranhadas ao cenário verde da grandiosa floresta. Assim é a visão ao Japurá.


"As Distantes Terras de Ofir"  é/foi um enigma que vagueia o imaginário dos que a idealizaram localizada na região amazônica  através dos séculos. A própria Amazônia nem era conhecida por essa alcunha no inicio de sua história. Até o ano de 1492, o Ocidente, que existe hoje, no mundo, composto pelas Américas do Sul e do Norte, não era conhecido das civilizações daquele período da história. Somente a 12 de outubro daquele ano, o continente, chamado de América passaria a existir. E finalmente, a tese da terra plana era abandonada pela mente daqueles que tinham fé nesse contexto. O homem deixava um período de trevas pra buscar na luz a visão de um mundo muito maior do que o imaginava. A professora, Mestra Neide Gondim, em sua marcante obra "A Invenção da Amazônia" (2007), nos mostra a expressão da evolução do homem saindo da idade média:



O aniversário da cidade de Japurá é comemorado com toda alegria e satisfação pela população, que o celebra a cada dia 31 de março de cada ano...


 " Especulava-se a existência do antimundo. Confirmadas, mesmo, desde Platão, somente a Ásia (Asu, por onde sai o sol). Europa ( Ereb, por onde o sol se oculta) e África ( Afar, a seca, por onde o sol caminha), que os gregos chamaram Líbia. Havia a crença de que a Terra era mais extensa que o mar- oceano, como dissera Aristóteles, e os limites, eram fixos: Sídon na Fenícia e o Ponto Euxino no mar Negro em direção Leste, as colunas de Hércules e o mar Tenebroso para oeste, a Trácia para o Norte e Típia e Abissínia ao Sul. Ao todo, simplificando em termos geométricos, é um disco plano cujas bordas eram formadas pelo rio Oceano, que rodeava as três partes. Ainda em 1457 o mapa de Toscanelli - celebrizado por ter sido utilizado por Colón - conserva os três continentes banhados por um oceano único".



Uma das grandes manifestações artístico-folclóricas da cidade de Japurá é o duelo de competição entre seus bumbás: Gitinho (vermelho e branco) e Viramundo (azul e branco). É um divertido campeonato que movimenta a cidade inteira com a competição ao mérito.


As ideias de que havia apenas três continentes no mundo, até o ano de 1492, caíram por terra com a chegada de Colombo às Américas ( a antiga Patcha Mama). Após se ter verificado que as terras encontradas por ele, a 12 de outubro daquele ano, se tratava de um novo continente, jamais conhecido pelos homens daquela época,   se reacendeu as velhas teses da localização imaginária da lendária "Terra de Ofir". Mas, antes de se terem fundamentado a localização, hipotética, das terras secretas, onde havia ouro, prata e pedras preciosas em ambudância, os outros continentes do mundo foram o alvo desse lendário estigma. Muitos acreditaram que Ofir ficava na Ásia, onde o sol nasce (o leste do mundo). Outros, especulavam que estava localizada nas costas oeste da África, por onde o sol é mais causticante em sua passagem. E por fim, poderia está localizada em qualquer parte da Terra. Mas após a descoberta de se haver terras a oeste da África, todos os interesses dos homens daquela época se voltariam para a América. E mais ainda, para a região da floresta de grandes árvores.  



À sombra serena das grandes copas das mangueiras que se espalham pela cidade, os populares da cidade de Japurá tem seu momento de sossego e quietude. O tempo parece parar, as histórias e lendas da região encontram climatização e espaço para ocupar o pensamento caboclo sobre as antigas histórias, narradas e decantadas pelos mais antigos habitantes. 




O primoroso uso, da figura dos animais selvagens, da própria floresta, deixa o ambiente da frente da cidade mais original.


A pequena cidade de Japurá, localizada às margens de seu caudaloso rio (Japurá/Yapurá) ,por muitas vezes, nem imagina que seu cenário natural faz parte de uma tese lendária cujo um dia fez a humanidade se inspirar e, sair em busca desse lugar, de tesouros e cobiça o qual seria as terras misteriosas de Ofir, onde se havia localizada as famosas - Minas do rei Salomão.   O rio Japurá seria olhado, através da histórica, como o curso fluvial,  visitado e usado por Salomão e seus Vassalos, a se garimpar ouro e outros minérios na região amazônica, e assim, os transportar para o Oriente, de onde vieram com suas sofisticadas embarcações. Desse modo, o rio Solimões teria sido batizado pelos povos étnicos nativos, para homenagear o sábio rei em outras épocas da história! Rio Solimões/Rei Salomão. E o rio Japurá teria em seu contexto histórico, de acordo com o escritor Octaviano Mello, a localização das "Distantes Terras de Ofir", descrita na Bíblia como um lugar de fontes de riquezas no mundo ( O Fim do Mundo).  Pura fantasia, ou uma história de fundamentos reais?! 




O grande pirarucu das águas dos rio caudalosos da Amazônia, se torna parte da paisagem, da pitoresca praça central da cidade, como um banco, pra descansar da longa viagem, ou apenas para apreciar o cenário majestoso do rio Japurá nos finais de tarde. Muita criatividade local.







II Crônicas

10 Os servos de Hirão e os servos de Salomão, que de Ofir tinham trazido ouro, trouxeram também madeira de sândalo e pedras preciosas. 11 Dessa madeira de sândalo fez o rei balaústres para a casa do Senhor e para a a casa real, como também harpas e alaúdes para os cantores, quais nunca dantes se viram na terra de Judá...


*Assista um pouco sobre o Festival de Boi-bumbá de Japurá ( Boi-bumbá Viramundo )









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Referencial

BLIBLIA, A SAGRADA. Pe. Manuel Augusto Rodrigues. Cremagrafic S/A 2000.

FONTES, Glória Marly Duarte Nunes de Carvalho. Alexandre Rodrigues Ferreira (Aspectos de sua Vida e Obra) 1966, INPA - Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.

FOTOS - Lázaro Damasceno Neto (as fotos mais antigas e algumas atuais)Mário Fernandes 

GONDIN, Neide. A Invenção da Amazônia.  Segunda edição. / Neide Gondim - Manaus. Editora Valer, 2007. 340 p.

MELLO, Octaviano. Topônimos Amazonenses/Octaviano Mello. Nomes das Cidades Amazonenses, sua Origem e Significação. Série Torquato Tapajós – volume XIII. Impresso nos Estados Unidos do Brasil, 1967.

PORRO, Antônio. As crônicas do rio Amazonas./ Antônio Porro. – 2. Ed. ver. E atualizada – Manaus; EDUA, 2016. 218 pg.; 21 cm.

SITE da Internet - Wikipédia.

SOUZA, Augusto Cabrolié de. Síntese da História de Tefé. Tefé, 1984 – UBE – AM.

SOUZA, Augusto Cabrolié de. Tefé e a Cultura Amazônica. 1997. Instituto Paulo Freire

TRISCIUZZI, Neto Leonardo. Rios da Amazônia, Coletânea de Dados. Pequeno Roteiro; Leonardo Neto Trisciuzzi. Belém, SUDAM, 1979. 135 P.



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