O VIII FESTIVAL DOS BOTOS DE MARAÃ-AM - 2018


 

A NOITE DO DESENCANTO NO VIII FESTIVAL DOS BOTOS DE MARAÃ


O encantador do Boto Tucuxi, Jorge Afonso, no momento de concorrer a Letra e Música, no espetáculo de 2018 -  A Cidade Encantada do Boto Tucuxi as 2:30 da manhã. Maraã. Era 25 de novembro de 2018...

A cultura popular da cidade sede do município de Maraã (a 896 km em linha fluvial de Manaus), a partir da primeira década dos anos de 2000 foi mesmo marcada, e, grandiosamente, revitalizada pela constituição e fundação municipal das agremiações folclóricas, que, tem como símbolos culturais a figura dos cetáceos amazônicos; boto vermelho (inia geoffrensis) e boto tucuxi (sotalia fluviatilis). 

O "Festival dos Botos" como é dito ao evento, à cidade, parece que veio mesmo para ficar. Fundado no ano de 2006 chegou aos seus dez anos de realização, em 2016 (atualmente está em sua segunda década, no 17º ano), mas sem realizações constantes. A primeira produção do evento,  apresentada ao público, em julho de 2006, foi magnifica! Logo em seguida foram mais quatro edições ininterruptas (2007, 2008, 2009 e 2010). Mas, de repente, em 2011 e em 2012, o evento deixou de ser realizado, por razões que nunca foram denotadas e elucidadas a seu principal público - o povo da cidade. Mesmo assim, os brincantes e suas respectivas agremiações ficariam sempre na expectativa de que, a qualquer momento, o espetáculo fosse  resgatado ao entretenimento e divertimento populares. Foi o que aconteceu, todavia, somente ao ano de 2013.



Batucada do Boto Tucuxi de Maraã-Am sendo orquestrada pelo Mestre Félix Klinger em 2018.

Após três anos sem ser produzido, o festival foi resgatado e realizado no início de outubro daquele ano, com uma nova simbologia e caracterização. Foi uma festa bonita. O povo da cidade ficou "satisfeito" e "agradecido" pela retomada do evento e, ainda, por todas as "inovações" propostas. Os botos retornariam com todo o gás à arena do Remanso - Ginásio Desportivo Arlindo Pereira da Silva (lugar onde acontece o evento no centro da cidade de Maraã). Menos de um ano depois, no dia 23 de setembro de  2014, novamente, o festival seria realizado e ovacionado pela população. A expectativa social era de que a festa fosse continuamente produzida, a partir da nova retomada, e desse modo preenchesse um vazio que prevalece sempre no cenário cultural dos ares daquela "pacata" localidade; todavia, mais uma vez, não aconteceu... Dois anos depois, o prefeito da cidade (Cícero Lopes) é  assassinado, e desse modo, o luto político-social teve que prevalecer. 

Somente quatro anos depois de 2014, em 2018, o festival voltaria a ser realizado e apresentado ao grande público que sempre o mantem na memória (mais uma vez resgatado). O evento foi sempre posto no segundo semestre de cada ano, porém, ficou sem data e sem mês específico à referência turístico-regional. Foi perdendo sua razão de ser. Mesmo congregando muitas produções artísticas e inovações, em relação a eventos amazônicos, o festival dos botos de Maraã detém um chamado intrínseco, ao mundo, de preservação dos cetáceos amazônicos. Atualmente as duas espécies de botos da região correm sérios riscos de extinção; se os botos  desaparecerem dos rios da grande floresta, o festival de Maraã deixará de ter uma razão concreta, será extinto, também.



Alegoria do Boto Vermelho de Maraã-Am. Os  mitos se materialisam em meio ao dia a dia da populção da cidade "atrapalhando" o trânsito de pedestres e veículos. 

Quanto à realização do evento,  em 2018, pode-se dizer que foi uma das mais dramáticas da trajetória até aqui. Pela primeira vez, na história do festival, o evento seria realizado no mês de novembro. Porém, por questões de força maior e de logística, teve que ser adiado. A primeira data seria o dia 9, depois foi transferido para o dia 24 de novembro. Comumente, o mês de novembro é um momento de preparação para o término de todas as atividades de um ano letivo, pois dezembro é mês de confraternizações e ações de encerramentos (natal e ano novo); é um mês de mobilizações diversas das pessoas no interior, assim também como na cidade.  E, em Maraã, é o mês do tradicional festejo de sua padroeira católica, Nossa Senhora da Conceição (dia 8). A realização do festival dos botos naquele mês foi um pesado fardo e um teste psicológico para todos os envolvidos em sua produção (agremiações, artistas, o publico e as autoridades, inclusive os jurados). Não foi um dos mais divertidos, e muito menos, tão gratificante.



  Pajé do Boto Vermelho @kessyjhonedluxe em apresentação na arena, em 2018.

Por se ter mudado a data da realização do festival, por praticamente 15 dias a mais do previsto no orçamento das duas agremiações, vários artistas e prestadores de serviços dos dois botos se viram obrigados a aguardar, e, a torcer, para que todo o tempo a mais fosse um prenúncio de bonanças (afinal a promessa era de mais verba para custear a estadia e a mão de obra, da parte da gestão pública). Maioria de artistas que estavam contratados pelas agremiações eram de origem de outras cidades como: Manaus, Tefé, Fonte Boa e Japurá. Apesar daquele evento ter  tido menos produções, sempre havia um número relevante de artistas para serem sustentados pelas agremiações. Afinal de contas, a integridade física e mental dos mesmos estava sob tutela das agremiações. Por isso, estadia e alimentação diárias foi um investimento muito caro, aos dois  botos, naquele festival.



Trabalho plástico dos artistas do Boto Tucuxi represenetando um pouco da história da cidade de Maraã. 

Todavia, no dia 24 de novembro de 2018 (faltando um mês para o natal), houve um impasse, bem no dia da nova data de se apresentar o evento dos botos ao público:  um grande levante da parte dos artistas, principalmente os do boto Vermelho, que eram em maior quantidade. As 18:00 horas todos paralisaram  suas funções (vermelhos e tucuxis); as alegorias foram postas a rua João Café, próximas à entrada do Ginásio Municipal (o Remanso); e desse modo, os artistas do Tucuxi, também, se uniram à manifestação. O motivo: não havia previsão de pagamento dos 14 dias de permanência na cidade por conta do atraso das obras no ginásio. Por isso, a ordem da manifestação era: "não vai ter mais festival!" Cotado para iniciar o espetáculo às 20:30 horas o Boto Vermelho ainda teve problemas com uma de suas alegorias, e enquanto a paralisação continuava, seus soldadores corriam contra o tempo para  consertar o problema. 



À direita, galera do Boto Vermelho de Maraã, à esquerda parte da galera do Tucuxi.

Enquanto tudo isso acontecia, o público já se fazia presente no Remanso, lotando as arquibancadas, desde as 18:00 horas. Os brincantes, de todas as idades, estavam vestidos com suas indumentárias, concentrados e cansados de esperar; desde as 16:00 horas. E o prefeito da cidade, junto as autoridades que se faziam presentes, e ainda, o corpo de jurados, estavam todos inquietos pelo iniciar do espetáculo que simplesmente não acontecia. A espera exaustante perdurou até as 22:00 horas daquela noite. Foi quando, finalmente,  o prefeito entrou em acordo com os presidentes das duas agremiações, "prometendo" o repasse igualitário do prêmio, de 8 mil reais para se amenizar dívidas, inclusive, pagar as passagens dos artistas de volta as suas cidades de origem (mas não às diárias dos últimos 14 dias).  Por volta das 22:15 horas, os ânimos se acalmaram e tudo, finalmente, foi resolvido. O espetáculo seria apresentado (em respeito as duas Galeras). Porém, durante o entrave, houve ainda ameaças de prisão aos presidentes das agremiações, mas nada disso se concretizou. As 22:30 horas, o Boto Vermelho dava início à abertura do VIII festival dos botos de Maraã (com duas horas de atraso) . 



Galera do Boto Tucuxi se aquecendo para seu espetáculo que se iniciaria as 2:00 horas da manhã do dia 25 de novembro de 2018.

Por volta da 1:00 hora da manhã de domingo, 25 de novembro daquele ano, o espetáculo do Boto Vermelho, intitulado; "Amazonas, de Cultura Cabocla Ribeirinha", se encerrava. Uma hora depois, por volta das 2:00 da manhã, era a vez do Boto Tucuxi adentrar a arena do Remanso com seu espetáculo, "A Cidade Encantada do Boto Tucuxi". Por volta das 4:47 horas, a missão do Tucuxi estaria cumprida e o festival era encerrado. Apesar de se ter uma noite estressante e desafiadora, como fora a de sábado, o Tucuxi cumprira o prometido: encantou o Remanso. Levou todos os presentes a uma imaginária "cidade encantada" no fundo do rio. O tema foi abstraído da obra da professora da Universidade de Berkley (EUA), de cultura brasileira, a californiana Candace Slater (da sua obra literária - A Festa do Boto). Literalmente, o povo da cidade de Maraã, que esteve prestigiando o espetáculo, e, a esperar de modo  exaustivo pela resolução dos problemas daquela noite (os acordos com o gestor mor da cidade e agremiações de botos),  os fizeram, forssadamente, ter uma "noite de natal" antecipada, pois todos ainda estavam pelas ruas da cidade quando o sol  raiou, naquele dia 25 de novembro, de 2018.




A "pacata" cidade encantada  do Boto Tucuxi...

Apesar de todos os espetáculos terem sido apresentados no Remanso, fazendo-se assim renascer toda a chama da paixão, pelos botos encantados da cidade, as agremiações amargariam um grande saldo negativo em seus caixas. A agremiação do boto Tucuxi teve que se desfazer de todos os seus bens (som, terreno, etc) para poder honrar os compromissos com os artistas, e, ainda, com os fornecedores de alojamentos, alimentação e materiais empregados para uso nas produções artísticas. Não se pode esquecer do problema com as camisas da batucada que não chegaram a tempo na cidade, para serem usadas por todos os batuqueiros da grande confraria rítmica; foi preciso refazer outras, dois  dias antes, tudo às pressas. Foram muitos desafios a serem vencidos para tornar o Tucuxi de 2018 "encantado", e ainda, bicampeão do festival. Entretanto, após o final do espetáculo, restou o sabor amargo das dívidas que cresceram pelo adiamento da realização daquele evento. Depois viria somente o desencanto da cidade encantada...


autor: Eros Divino

(ex-pesquisador do boto tucuxi)


Referência

Divino, Eros. Boto Tucuxi: Retrospectiva a uma trajetória de inovações; a primeira década do festival dos Botos. / Eros Divino. - Olinda; Livro Rápido, 2021. 222 p,;il.

Imagens: @amissaoii8, @dayanequerirozfeitosa, @kessyjhonesdluxe, canal a missão II no yuotube

Regulamento do VIII Festival dos Botos de Maraã-Am - Secretaria de Cultura ( SEC)

Slater, Candace. A festa do Boto: Transformação e desencanto na imaginação amazônica/Candace Slater; tradução Astrid Figueredo. - Rio de Janeiro: Funarte, 2001. 381 p.


 


 

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