Um Momento de Reflexão na História e na Memória do Festival Folclórico de Parintins-Am

Reflexão no Festival de Parintins


A arte que vem da memória dos ancestrais. Lendas, mitos e a beleza dos cenários  amazonenses. 


Durante as manhãs mais ensolaradas, nos dias em que se realizam o Festival Folclórico de Parintins, que acontece sempre no último final de semana, de cada mês de junho, os turistas (cognominados nas letras das toadas e, no dialeto local daquela cidade, de visitantes),  aproveitam-se do calor de um sol que pode atingir uma sensação térmica de quase  40º, em plena dez horas da manhã. Desse modo, a festa dos bois é sempre iluminada. O vai e vem de visitantes pelas ruas da cidade é um atrativo bem interessante, pois as pessoas  preferem andar, indo e vindo, pra sentir a atmosfera de alegria, luz e calor, que brotam das avenidas da pequena Parintins. A Avenida Arlindo Chaves se torna uma das mais movimentadas, passa ao lado direito da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, e segue em linha reta à edificação do Bumbódromo. Aliás, finda bem na entrada desse. Nessa caminhada feliz, de tanta gente indo e vindo, não passa despercebida a localização do cemitério público daquela cidade, posto atrás da Catedral católica. Se estendendo, por boa parte da avenida, de maior circulação de gente - os que vem afoitos pra conhecer o Festival. Logo, surge o pensamento de se imaginar o porquê de os parintinenses terem fundado seu cemitério logo ali, no meio do trânsito de toda a festa dos bois?


 A entrada alternativa do cemitério público de Parintins (fotografada pelo lado de dentro do mesmo), discretamente situada atrás da Catedral da cidade, a de Nossa Senhora do Carmo. A entrada Principal, localizada a Av. Arlindo Chaves, é fechada em épocas do Festival para se evitar invasão indevida de populares.

Na verdade, toda a estrutura urbana de Parintins foi sendo modificada, desde 1965, no momento do surgimento do I Festival Folclórico daquela cidade. A Catedral oficial era a do hoje "Sagrado Coração de Jesus", localizada na praça que, é ladeada pelas ruas: Rio Branco e Avenida Sá Peixoto ( rua e berço de nascimento do Boi-Bumbá Caprichoso), em frente ao Colégio de Nossa Senhora do Carmo. E mesmo com todo  o movimento de festival acontecendo em Parintins, no domingo de manhã, o visitante pode ir à Missa naquela igreja, se o quiser, pois ocorre normalmente às sete horas de cada domingo. Então, o sentido urbano de Parintins, há mais de 60 anos atrás tinha um outro viés. Há sessenta anos atrás os parintinenses não imaginavam que uma obra do porte do Bumbódromo (uma arena a céu aberto), fosse construída na cidade, para torná-la inesquecível aos olhos do mundo. Aquela construção mudou, definitivamente, uma boa parte da arquitetura de época de Parintins. Atualmente, qualquer viajante que chega a Parintins, pela primeira vez na vida (fora da época do Festival), e do meio do rio olha pra cidade, fica se perguntando: O que é, ou pra que serve uma edificação tão estranha no meio da cidade?! Mas, o cemitério da cidade, o de São José, que tem entrada estreita e discreta, por trás da atual Catedral, permaneceu em seu lugar, desde cem anos atrás. Depois que a população da cidade começou a crescer, devido a projeção do evento dos Bumbás, a estrutura urbana foi readaptada, a prover espaços, e a tentar se preservar lugares históricos dentro daquela cidade. Uma curiosidade sobre a área, podemos perceber, é o cemitério judaico de Parintins, que assim como em Manaus, a ilha dos bumbás também abriga um local de sepultamentos de judeus nativos ( a ilha é muito eclética). Quem viaja a Parintins, desde os anos 80, percebeu como a cidade foi sendo reestruturada, em virtude da festa e, do crescimento populacional da ilha. Sim, existem torcedores que nunca abandonaram a realização do Festival, faz parte da vida daqueles.


 Interior da Catedral do Carmo, em Parintins. O tempo volta, ou se dá essa impressão, dentro da atmosfera do sacro local.

Até a década de 1940, a cidade possuía uma população a quem, do que hoje possui (hoje, são mais de 110 mil habitantes). O cemitério da cidade, o mesmo de hoje, era o ponto final urbano da cidade naquela década. Assim como a cadeia de polícia, ficavam fora do perímetro urbano, como em todo povoado de época. Parintins era um lugar bucólico no rio Amazonas, sem qualquer probabilidade de um dia, e se imaginar, o surgimento de seu grandioso Festival de Boi-Bumbá. A rivalidade de época, histórica, nunca foi forjada para se tornar espetáculo a visitantes ( turistas). A cultura popular da cidade elegeu então, dois habitantes, que junto ao crescimento do evento, também teriam suas histórias e trajetórias de vida somadas ao percurso da festa, dos Bumbás, da rivalidade, da emoção, das pessoas. Através da memória histórica e memorial desses dois sujeitos (habitantes), que eram bem jovens, por ocasião de criação de seus Bumbás, guarda-se com prudência e memória à trajetória de Garantido e Caprichoso. Aos 15 anos Roque teria fundado o Caprichoso, e aos 18, Lindolfo fundaria o Garantido. Segundo a tradição de Parintins, o Garantido, das cores - vermelho e branco, foi fundado no dia 24 de junho de 1920 (era dia  de São João). Inúmeras obras literárias defendem ideias e mais ideias, teses e mais teses, sobre essas fundações icônicas.  "Boi-Bumbá Evolução" (2006), de Allan Rodrigues; "A Terra é Azul " (1999), de Andreas Valentim; "Os Bois-Bumbás de Parintins" (2002), de Sergio Ivan Gil Braga; "Boi Bumbá" (2014), de Wilson Nogueira.


 

Em Parintins todas as artes têm seu espaço no espetáculo do boi-bumbá, dentro ou fora do Bumbódromo.

São obras, fundamentadas por  pesquisas de anos e anos,  lançadas a partir do início do século XXI. Mas anteriormente, temos também os próprios parintinenses pesquisando e se embasando a formular suas teses, histórico-populares, a cerca  do surgimento de cada bumbá à cidade. E haja história  e memória a Parintins, "A Ilha do Folclore" (1987), de João Jorge de Souza, e "Parintins, Memória dos Acontecimentos Históricos" (2003), mas pesquisada durante décadas e décadas por Tonzinho Saunier. Também existe as obras que descrevem a festa, hoje, de edição esgotada, como: "Caprichoso, O Boi da Estrela 1913" (1997) e "Boi-Bumbá, Festas, Andanças, Luzes e Pajelanças" (1995), ambas de Simão Assayag. Todavia, dentre todas as publicadas, existe uma grande expectativa à publicação mais esperada e a mais polêmica, seria a pesquisa que vem sendo feita por dona Odinéia Andrade, ao longo de mais de 40 anos. Dona Odinéia possui um acervo inigualável dentro de Parintins, que traduz o denominador comum, de fundação e criação, dos Bumbás:  Caprichoso e Garantido. A ela é dito ' A Mãe do Boi Caprichoso". O ama incondicionalmente.


A arte efêmera do Festival de Boi-Bumbá de Parintins, que cresce, se agiganta, e que depois se torna uma exótica escultura de prender o olhar, por horas.

Por toda Parintins se ouve o som das toadas de Garantido e Caprichoso. A beleza regional, as cores das agremiações, a eterna rivalidade e, algumas pessoas, são homenageadas pelas poesias cantadas e decantadas, há décadas, dentro do cenário da festa de boi-bumbá. Dois nomes, de duas pessoas, são expostos comumente, e sempre, dentro desse cenário histórico de festa: Roque Cid e Lindolfo Monteverde. Sim, é o momento mais humano dentro do processo de fundação e das: criação dos bumbás, rivalidade e de todo o contexto do que seja o Festival em si. Roque e Lindolfo entraram na história popular, folclórica, e, oficial da cidade, como aqueles que simbolizam todo o movimento de gente, de música, de economia e de trajetória, de toda as aglomerações que ocorrem na ilha de Parintins, desde 1965 (ano do primeiro festival folclórico no qual os bumbas se fizeram presentes). Assim, os bumbás tem pais, nomes e sobrenomes: Garantido Monteverde e Caprichoso Cid.

Nos lugares mais resguardados da cidade de Parintins, a história se revela, aos olhares, dos que, com todo respeito e sensibilidade, a buscam e a encontram... O túmulo de Roque Cid mantém as  singelas características de época, a testemunhar sua passagem e permanência memorial na ilha dos bumbás.

Esse Festival já foi organizado por jovens católicos (JAC - grupo da Juventude Alegre Católica), inspirados nas criações ancestrais de Roque e Lindolfo, os bumbás seriam resgatados e preparados pra serem apresentados a uma nova era. Então, enquanto se instalava um Polo Industrial em Manaus, Parintins dava início a germinação de seu próprio Polo de produção de cultura, de folclore, do turismo e do seu grito de guerra sobre a invocação memorial de Roque, pois Lindolfo foi o único que esteve vivo nos primeiros 14 anos do evento.  Mas, nunca esses dois sujeitos puderam contemplar suas obras completas, nesse cenário novo que, a cidade, se projeta, há mais de 55 anos, com toda essa tecnologia moderna e inovadora, empregada a festa. 

No centenário cemitério da cidade de Parintins descansam eternamente os criadores dos bumbás mais amados do Amazonas. 

Roque Cid, desde 1948 é falecido. Lindolfo Monteverde, desde 1979. Os dois estão sepultados no cemitério da própria cidade de Parintins-Am. No dia de carnaval, de 1948, Roque Cid entrava na história de Parintins, para sempre, sendo creditada a ele as: fundação e  criação do Boi-Bumbá Caprichoso, das cores azul e branca. Pela tradição de  Parintins esse marco de fundação é o 20 de outubro de 1913. Pelas datas, de nascimento e falecimento, gravadas na lápide de Roque, e que fundamentam o processo histórico de fundação do boi Caprichoso, naquele dia e ano de criação, ele tinha apenas 15 anos de idade. No dia em que faleceu, estava com 49 anos. Existem muitas histórias dentro do cenário da cidade que abriga o grande festival folclórico do Norte do Brasil. Primeiro, as andanças, e cheganças de Nordestinos, vindos todos para o Amazonas, a se trabalhar na extração da Borracha. 


Monumento erigido a memória de Lindolfo Monteverde, fundador do boi-bumbá Garantido no cemitério de São José Operário, na cidade de Parintins.

Foi assim que os ancestrais de Lindolfo chegaram também. Foi assim que Roque Cid, vindo do Crato-Ce, junto de seus familiares, chegaram à região. Depois, a fundação enigmática dos bumbás, sendo que, cada qual, determinou seu percurso, sua rota, sua data de origem e início de trajetória. Afinal, tudo isso faz parte do folclore regional. E os arigós (como diziam nossos pais e avós aos nordestinos), foram os que muito contribuíram com essas arrumações (ideias inovadoras). Além de celebrada, invadida e tomada pelos visitantes, Parintins e, sua memorável história, carecem de respeito e carinho, por tudo e todos, não só por seus bumbás de pano eternos.




CANAL DO BLOG NO YOU TUBE  

A Missão II

Insta - amissaoii8




Referencial

Acervo Fotográfico Particular do Blog - A Missão.

Andrade, Odinéia. Professora de História aposentada, moradora de Parintins. Conversas e narrativas da própria Pesquisadora. Parintins, 2014.

Andrade, Odinéia. Explosão de Estrelas no Reino do Boi Bumbá./ Amazonas. Editora Zoé, 2013.

Assayag. Elias Simão. Boi-Bumbá, Festas Andanças, Luz e Pajelanças. Rio de Janeiro, Funarte, Ministério da Cultura, 1995.

Assayag. Elias Simão. Caprichosos o Boi de Parintins/ Manaus 1997.

Braga, Sergio Ivan Gil. Os Bois-Bumbás de Parintins. Rio de Janeiro Funarte/Editora Universidade do Amazonas, 2002.

Cunha. Paulo José/ Valentin. Cunha. Vermelho, Um pessoal Garantido. Rio de Janeiro, Funarte, 1998.

Cunha. Paulo José/ Valentin. Cunha. Caprichoso, A Terra é Azul. Rio de Janeiro, Funarte, 1999.

Nogueira, Wilson. Boi-Bumbá. Imaginário e espetáculo na Amazônia. /Manaus; Editora Valer, 2014.

Rodrigues, Allan. Boi-Bumbá Evolução. Manaus/ Editora Valer 2006. 

Saunier, Tonzinho. Parintins, Memória dos Acontecimentos Históricos. Manaus - Editora Valer, 2003.

Souza, Márcio. História da Amazônia. Manaus/ Editora Valer. 2009.

Souza, João Jorge de Souza. Parintins, A Ilha do Folclore/ Manaus; Edições Governo do Estado do Amazonas, 1989.















 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Naufrágio do Vapor Paes de Carvalho

Boi-Bumbá: Histórioa, Memória e Cultura do Estado do Amazonas

O VIII FESTIVAL DOS BOTOS DE MARAÃ-AM - 2018