A Praça da Villa de Coary

 A PRAÇA CORONEL GAUDÊNCIO EUCLIDES SOARES RIBEIRO



O Lugar de Tauá-Mirim, ilustrado pelo viajante Paul Marcoy em 1848. Esse local daria início a futura Villa de Coari em 1874. Assim começava os núcleos de povoamento da Amazônia no século XVIII.

As praças instaladas em qualquer cidade do mundo são espaços democráticos à permanência dos que vivem, moram, visitam ou conhecem o local onde se encontram. São construídas e fundadas a promover o comércio, divertimento, pontos de encontro e celebrações cívico-sociais. Não importa se estão localizadas numa grande cidade do mundo, como a Praça Vermelha de Moscou (Rússia), ou num “lugarejo” qualquer do interior da Amazônia. Denotam várias eras aos habitantes e viajantes, por isso, muito mais que um lugar de encontros e celebrações, contam e recontam a história da cidade onde estão fundadas. Todavia representam o marco à identidade de determinado lugar. Maria Evany do Nascimento (2013) em sua: “Monumentos Públicos – Centro Histórico de Manaus” resume o contexto à praça:

Durante toda a história não houve uma cidade que não tivesse uma praça. Esses logradouros públicos eram projetados cuidadosamente para atender as necessidades do tempo e do lugar onde eram abertos. Nas praças aconteciam todas as decisões políticas da Grécia; as mortes pela Inquisição na Idade Média; as apresentações musicais, festas e comemorações políticas e populares até os nossos dias. Nossa época moderna, no entanto, criou lugares específicos para essas comemorações, para atender a um público consumidor e pagador de seu entretenimento. A criação desses espaços não anulou a criação das praças, porque essas constituem espaços para respirar dentro da dinâmica das cidades.

Em meados do século XIX, precisamente por volta de 1854, ocorreria a instalação definitiva do núcleo de povoamento urbano a “nova Alvelos”, a qual, vinte anos mais tarde, se tornaria a clássica Villa de Coary. Naquele remoto cenário hidrográfico, de um lago intacto, livre da poluição, da “modernidade” e das irregulares ocupações, aquele singelo âmago encontraria climatização e ordenação suficientes a ser condecorado como uma nova cidade. O local “pertencia”, até então, aos irmãos Tomás e Antônio José Pereira Guimarães. Na verdade, as terras não tinham donos definitivos, todas “pertenciam” ao Império, cedidas apenas a alguns colonos que, as exploravam e as demarcavam, aos futuros municípios. Se houvesse necessidade de povoamento o Império indenizaria os posseiros provisórios. Geralmente o precário indenizatório não rendia muito.  Após serem compensados, aqueles poderiam viver no local como habitantes comuns, se assim o desejassem, entretanto sem ter mais os antigos direitos sobre seu outrora rancho ou sítio. Foi dessa forma que, à mente de alguns, surgiria aquele velho pensamento provinciano de posse: “Fui o primeiro a morar nessas terras, sou o fundador.” Naquele tempo (séc. XIX), o governo do Brasil ainda estava sobre o regime da Monarquia. Éramos um reino de extenso território à América do Sul. Tudo pertencia ao Reino. A Villa de Coary seria oficializada pelo governo, em Manaus, no dia 1º de maio de 1874. Mas à cidade isso só ocorreria ao dia 2 de dezembro daquele ano. Praticamente, 25 anos, após a instalação primária do núcleo inicial de povoamento, a Coari, se conquistaria um título, o qual avalizaria sua permanência naquele ponto geográfico à posteridade. Segundo a obra de Anísio Jobim, a Villa de Coary, em 1873, já abrigava uma considerada população em seus entornos:

Em 1873, um arrolamento procedido apresentava um total de 2.078 habitantes livres e cinco escravos, sendo 1.006 homens e 1.072 mulheres, 2.023 brasileiros e 55 estrangeiros. *in Jobim.

Não foi necessário se esperar o título oficial de villa chegar a aflorar o desenvolvimento. A velha localidade era construída pelos coarienses daquelas épocas com toda euforia. A partir de 1861 as características de uma pequena cidade já começariam a ser desenhadas às margens do lago de Coary. A primeira via de deslocamento de trânsito, sitiadora do porto de embarcações e passeio público, estava sendo talhada. Aquela primária estradinha daria origem à primeira rua do lugarejo, à clássica Avenida Ruy Barbosa. Ninguém sabe ainda afirmar qual foi o seu primeiro nome (se é que o teve). As primeiras edificações de alvenaria eram erguidas, uma a uma, deixando para trás o cenário primitivo das velhas e estigmatizadas palhoças de barro (casas de aldeados) cobertas de palha-branca. Aquelas novas edificações seriam sedes da administração pública, comércio de estivas, residência dos administradores, do Pároco e, dos grandes comerciantes daquele lugarejo. Todos esses formavam um conjunto urbano pelos arredores da primeira igreja erguida em honra à padroeira católica daquele lugar. A igreja foi elevada no local da então Praça de Sant´Ana. Essa era à frente da cidade naquela época. Até o final dos anos 20 essas características permaneceriam. Mas a nova igreja, desde 1909, suas obras eram fundadas à Praça de São Sebastião (antiga praça de São Pedro). Aquela catedral tem hoje seus mais de 110 anos de fundação. Jobim consegue nos apresentar aquele ano como a única data relativa à fundação da solene catedral de Coari:

Quando D. Frederico Costa passou em Coari (...) a igreja de São Sebastião ainda estava em obra, como ressalta em sua carta pastoral escrita em 1909. In Jobim, pg. 83.

A construção da nova Matriz representaria o crescimento populacional, razoável à Villa. Ao final da primeira década do século XX Coari ostentaria uma população de 7.891 habitantes.  A Praça de Sant´Ana, à época da chegada de Montoril (final dos anos 20 ), demarcaria o bairro de Sant´Ana (daria origem ao atual bairro de  Tauá-mirim), seria o lado oposto do Igarapé de São Pedro (ao sul). Do outro lado do igarapé (ao norte), onde está hoje a atual Praça Getúlio Vargas, rua Independência, XV de Novembro e Cinco de Setembro, ficava o bairro de São Sebastião. Sediava a Catedral de São Sebastião (na antiga Praça de São Pedro).  A Rua Eduardo Ribeiro estava sendo talhada ao lado direito da primeira capela, situada a Rua Ruy Barbosa (de frente ao lago de Coary). A Praça de Sant’Ana não conseguiu se firmar como o local portuário da cidade. Então, o canto, onde foi erguido o sobrado do Major Deolindo Dantas, assumiria o local portuário as últimas décadas do século XIX, e à boa parte dos anos vinte.   Os moradores mais humildes foram deslocados a residirem mais adentro do lugar (áreas periféricas), formando novos sítios e chácaras, os quais, mais tarde, dariam origem as novas ruas e bairros da Villa (como o Tauá-mirim e o Chagas Aguiar). O desenvolvimento daquele lugarejo era evidente e próspero a toda região. Aquela população de indivíduos mais humildes foi deslocada cada vez mais à mata adentro.  E assim surgiriam os bairros de Chagas Aguiar (antiga Estrada), Pêra, Duque de Caxias, Tauá-mirim (antigo Sant’ Ana) e Espírito Santo (o popular Morro).  À vista do Igarapé de São Pedro estava à ponte de madeira que ligava os primordiais bairros da localidade, assim nos diz Jobim:

A localidade é formada por dois bairros formados pelo igarapé de São Pedro que no verão seca completamente e no inverno toma bastante água, atingindo a uma largura de sessenta braças. Na estação invernosa torna-se esse igarapé excelente fundeadouro para as pequenas embarcações e mesmo para os vapores que ali vem encostar. Esses dois bairros estão ligados por uma grande ponte de madeira de lei que assenta sobre arcadas de alvenaria.    Mede essa ponte 102 metros de comprimentos sobre 3 de largura, e é guarnecida de singelo gradil de madeira em toda a sua extensão. E este é um dos pontos mais frequentados de Coary. *in Jobim



Foto da Villa de Coary em 1867. Nesse período Coary ainda era distrito do município de Teffé ( a outrora Vila de Ega ). Foi feita  pelo viajante e repórter alemão, Albert Frisch. O cenário mostra onde hoje está a rua Ruy Barbosa e a Cinco de Setembro. Ainda não se tinha o antigo sobrado da família Dantas. Provavelmente essa é a primeira fotografia do município de Coari.

A clássica ponte oferecia aos habitantes daquelas épocas o costume europeu, civilizado, de passeio, ao final de tarde. Foi construída a muito esmero sobre aquele Igarapé, em 1896, pelo superintende Major Augusto Celso de Menezes. Este foi um dos primeiros a se preocupar com a paisagem frontal da Villa. As árvores que se via na Praça Getúlio Vargas e a rua Ruy Barbosa foram plantadas na administração daquele Major. Além da ponte, rearborizou toda a orla da cidade, mandou instalar um pequeno farol a balizar as embarcações que chegavam à noite. Celso também instalou 40 lampiões que delineavam toda a orla da cidade, sendo os mesmos postos a partir da rua Ruy Barbosa à Praça Getúlio Vargas, à época ainda era denominada de Praça Gaudêncio Euclides Soares Ribeiro. Naquele momento, em Manaus, estava sendo construído o salão nobre do Teatro Amazonas. O uso da madeira regional, como piso daquele salão, inspirava alguns administradores ao glamour, pelo consumo econômico-gomífero. A Villa de Coary ostentava uma orla muito bem apanhada, apesar de ser uma localidade do interior. À noite, toda orla ficava iluminada, inclusive a ponte, pelas chamas bruxuleantes dos 40 lampiões aplicados às margens da paisagem do lago. Todo o iniciar de noite os lampiões eram acesos, com toda pompa, à presença dos moradores que saiam ao passeio vesperal e permaneciam nas ruas até o escurecer. A energia elétrica não existia, por isso, nos lares da época, se usavam das antigas lamparinas, lampiões e antigas velas de cera. O Amazonas vivia naqueles instantes os anseios à


bele epoque, pois estava sendo estruturado em Manaus, ao período, uma nova metrópole ao mundo ver. A praça principal da Villa, naquele momento, era considerada da atual Praça até os extremos da Ruy Barbosa. A Ponte que ligava um canto a outro da orla também estava localizada naquele contexto. Era um logradouro amplo, de ligeiro estilo europeu. Coari viveu naquele final de século seu momento “veneziano”. "Não havia" no interior do Amazonas outra Praça com uma ponte em suas extensões urbanas. As canoas que ali encostavam servia ao passeio da elite, pelas margens do lago, ao pôr-do-sol. Residir às margens daquele, na antiga Villa de Coary, era um sonho de consumo, apenas e tão somente, aos que podiam adquirir aquele privilégio. Em geral, as altas autoridades locais, administradores públicos, os donos de comércio de estivas e os comerciantes de produtos regionais (dentre os quais, a nobre borracha). Foi assim que toda orla da cidade foi sendo sobrepujada e ocupada pela elite elegante daquela época. A Avenida Ruy Barbosa era exterminada ao norte pelo extinto Igarapé de São Pedro. Naquele ponto, o sobrado dos Dantas foi construído ao final do século XIX, impondo a soberania político-social ao restante do lugarejo. Era a única residência de dois andares localizada na Villa. Nas sacadas das janelas, no segundo piso, com vista para todos os ângulos do lugarejo e do lago, o major Deolindo Dantas assistia o alvorecer de Coari ao início do século XX. Seu casarão delimitava o poderio socioeconômico maior à Villa. Era o marco do poder daquele lugarejo. O porto de chegada e partida estava situado bem naquela subida, à terra firme, às margens do São Pedro. Os que chegavam, pela primeira vez, ao ver o elegante sobrado, sabiam que havia “gente importante” residindo ali. O poder político da família Dantas começaria em Coari a partir de 1899, com a nomeação do Intendente municipal João Dantas de Oliveira. Nesse meio tempo, em Manaus, um coariense ilustre era projetado a administrar os destinos do Estado. Chamava-se Silvério Nery:

Dr. Silvério José Nery nasceu no município de Coari, a 8 de outubro de 1858, sendo filho do major reformado e seu homônimo, Silvério José Nery e da senhora Ângela Nery. Silvério Nery, nome que o tornou conhecido nos meios políticos amazonenses, assumiu o governo do Estado do Amazonas no período de 23 de julho de 1900 á 2 de dezembro de 1903, quando passou o cargo ao seu substituto legal, monsenhor Francisco Benedito da Fonseca Coutinho, que concluiu o mandato até o dia 23 de julho de 1904, data imposta pela Constituição Estadual para o término da gestão. Morreu a 23 de junho de 1934 em Manaus, tendo o Dr. Aristides Rocha pronunciado um emocionante discurso na hora dos funerais, conforme informa o escritor Agnello Bittencourt no livro Dicionário Amazonense de Biografias. *Jornal do Comércio de 2006

 

Em 1927, durante uma viajem de lazer, o escritor Mário de Andrade faria seu primeiro apanhado sobre a cultura do norte do Brasil. No dia 11 de junho de 1927, 13 dias antes do assassinato do prefeito Herbert Lessa de Azevedo, Mário passava pela clássica Villa de Coary se encantando pela singeleza do lugar. Na foto acima, posa na ponte sobre o Igarapé de São Pedro, construída em 1896.  À esquerda na foto, se ver a torre da catedral de São Sebastião. Os pilares da ponte, e todos os outros detalhes, nos mostram com quanto de elegância foi construída por sobre o extinto igarapé.

A influência dos Dantas, ao cenário político da Villa, seria interrompida quando Alexandre Montoril fosse nomeado o novo Intendente (prefeito), ao final da década de 1920. Montoril chegou em 1927 encarregado de investigar o assassinato do prefeito Herbert Lessa de Azevedo. Daí pra frente não se demoraria a ser destacado como o novo prefeito da Villa de Coary. O último Dantas de que se têm notícias, a ocupar um grande cargo político, foi o filho do rico major Deolindo, eleito deputado estadual à década de 1940 (o popular Dandi). Deolindo era tão rico (e vaidoso) que mandou estampar seu nome na calçada à frente de seu sobrado. O intuito era impedir a passagem de qualquer um pela mesma. Puro orgulho. Em 1917, Luis Alfredo Dantas era mais um remanescente daquela família que compunha o corpo de vereadores da Villa. O novo núcleo de povoamento seria instalado pelos arredores de sua residência à atual Praça Getúlio Vargas. As novas intervenções urbanas de Montoril desagregariam os valores históricos ao lugar inicial da Villa aos nossos dias. O igarapé de São Pedro separava os locais de morada dos oponentes políticos: Deolindo (bairro de Sant’ Ana) e Montoril (bairro de São Sebastião). Do alto de sua janela, na sacada do imponente sobrado, Deolindo avistava a casa de Montoril na Praça que estava sendo moldada a sua nova representatividade política. Da frente de sua residência, Montoril "enxergava" o sobrado de Deolindo sendo "esquecido" no tempo, junto à velha história da antiga Villa. A chegada de Montoril demarcaria o alvorecer de Coari, como uma nova cidade ao Estado, a ser explorada e moldada a um novo tempo. As mudanças seriam rigorosas a um povoado que detinha ainda velhos costumes regionais. Decretos impositivos com proibições a várias atitudes e hábitos do lugarejo, naquelas épocas, foram estabelecidos. Na frente da cidade, onde havia os passeios de final de tarde, não se podia mais lavar roupas, muito menos estendê-las por ali; não se podia pescar, pular n’agua e nem tomar banho de rio, muito menos, consumir bebidas alcoólicas às margens do igarapé. Após as vinte e uma horas, era proibido, a qualquer cidadão, permanecer pelas ruas e calçadas, muito menos ingerindo bebida alcóolica pela rua. Quem possuía terrenos pelas redondezas da Praça deveria mantê-los limpos e cercados, caso contrário, a Prefeitura o confiscaria. Muitos foram confiscados. Nos dias de comemoração das datas cívicas, o povo era “convocado” a comparecer à Praça, a cantar o hino nacional e à audição das oratórias dos administradores. Os que se recusavam, recebiam o “convite” pela voz de policiais e de outros emissários à celebração. Essas medidas agradavam apenas aos seguidores do mandatário, ao povo em geral não. Como muitas mães de família precisavam das áreas do igarapé central, a lavagem de roupas ao sustento dos filhos, não cumpriam os decretos. A guarnição de polícia de época não dava conta de "prender" tanta gente, principalmente à noite. Então, o que findou sendo resolvido por Montoril foi acabar com o cenário dos ocorridos. Assim sendo, os “desordeiros” teriam que buscar outros rumos. Foi assim que começou os projetos ao aterramento do igarapé de São Pedro, demolição da ponte à bele epoque e de todos os outros adereços necessários aos ajustamentos disciplinares. O povo reclamava, mas de nada adiantava. Havia os que invocavam os nomes de seus antigos administradores, como o dos Dantas, mas apenas irritavam a Montoril: “No tempo do seu Deolindo todos podiam fazer isso aqui!” Nessa “disputa”, ganharia Montoril e perderia o centro histórico da clássica Villa. Sua grande ação de iniciar os aterramentos a se anular a velha Praça Coronel Gaudêncio, provocaria a ambição da nova elite a um crescimento constante e desordenado. Montoril foi o primeiro administrador público a intervir nos espaços urbano-históricos de Coari, à era moderna da cidade. Quando chegou a Villa, ao final dos anos 20, a praça central era denominada com o nome de Péricles de Moares. Este é o nome do escritor consagrado do Amazonas e foi nomeado prefeito constitucional de Coari a 13 de abril de 1926. Foi prefeito antes de Herbert Lessa. Péricles de Moraes morou naquela praça a partir dos anos 20 (século XX):

Péricles de Moraes é amazonense de Manaus, filho do político Severo José de Moraes e D. Evarista Mello Moraes. Fez seus primeiros estudos em Manaus e os chamados Humanidades, em Belém do Pará. Foi professor, jornalista, Político, Escritor, Acadêmico, foi estilista por excelência. Foi prefeito municipal de Coari em 1926, e de Parintins em 1927. Foi fundador da Academia Amazonense de Letras e, por vários anos, presidente da mesma. Em agosto de 1956 a Academia publicou em sua revista, no Jubileu Literário, A trajetória do escritor e de sua vida.   

Em geral, aquela Praça se tornaria o local de morada dos prefeitos da época. Anterior a todas essas denominações, aquele logradouro foi chamado, originalmente, de Praça 1º de Maio (referência ao dia de emancipação da Villa e do Município, em 1874). Esta denominação seria esquecida na época da proclamação da República. Coronel Gaudêncio, o que administrou Coari, após aquela proclamação, em 1889, daria seu nome aquele logradouro. Segundo Anísio Jobim:

Gaudêncio era um governante de muito prestigio da política local, trazia uma tradição do tempo da monarquia, como um dos chefes mais influentes. Era advogado provisionado e proprietário no município. Depois foi eleito Deputado ao Governo do Estado. A principal Praça de Coari tinha o seu nome como uma consagração aos seus serviços; mas há poucos anos mudaram-lhe o nome para Epitácio Pessoa.

Em 1938, por decreto municipal do governo de Montoril, a história da cidade perderia grande parte de suas características clássicas a se dá início uma trajetória moldada pelos domínios e ostentação dos novos governos. Depois de Montoril a Praça continuaria com a mesma denominação dos últimos 80 anos, porém, com várias intervenções constantes em seus entornos. Mais um nome e, personalidade, que denominou a Praça central da velha Villa, se destacou à história da antiga Villa: Epitácio Pessoa:

Epitácio Pessoa era a denominação da Praça Getúlio Vargas, antes de Péricles de Moraes. Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro, na Paraíba, em 23 de maio de 1865. Teve uma grande trajetória na vida política do país. Em 1919 chegou à Presidência da República. Seu governo foi marcado por crises sociais e políticas que anteciparam o fim da República velha. Aos 7 anos perdeu os pais, por isso foi educado pelo tio materno, Henrique Pereira de Lucena, na época governador de Pernambuco. Foi educado no Colégio Pernambucano, depois se formou em Direito na faculdade de Recife em 1887. O escritor Anísio Jobim se formaria na mesma instituição no começo do século XX. Ao deixar a presidência Epitácio assumiu o cargo de juiz na Corte Internacional de justiça, em Haia, na Holanda. Lá ficou até 1930.   Epitácio era tio de Fernando Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas. Morreu em 13 de fevereiro de 1942. *acervo da internet

Todavia há também uma trajetória posterior a chegada de Montoril em relação à principal Praça de Coari. Desde 1874, receberia mais de três denominações até se estabelecer a que se conhece hoje. Aquela nova denominação, atribuída por Montoril, ficaria sendo mesmo a de sempre: “Praça Getúlio Vargas”. Até hoje é a denominação mais conhecida dos coarienses. Depois que ganhou essa alcunha não a perderia mais. Perderia apenas suas características físicas primárias como: o marco-zero (obelisco de 1940), o busto de Getúlio Vargas (final da década de 1930), coreto à música (construído em 1937), as árvores plantadas às últimas décadas do século XIX, o chafariz azul (anos 60), a elegante ponte de madeira sobre o Igarapé de São Pedro, o próprio igarapé... Todos esses elementos, através de uma longa história e percurso político-social, foram instalados ou/e retirados daquela praça, conforme o capricho e a presunção dos governantes de cada época da cidade. Naquele tempo, não havia proibições ao batismo de locais públicos com as personalidades ainda vivas. Os falecidos, como o prefeito Herbert Lessa de Azevedo, eram totalmente esquecidos naquele auge do poder. Apesar de lhe terem dedicado varios locais da cidade com seu nome. Entretanto, em 1952, a Assembléia Legislativa do Estado formulou uma homenagem póstuma ao prefeito morto em Coari em 1927, mas com o passar das épocas, também, foi esquecida aos dias atuais:

Cinqüentenário do nascimento do Prefeito Dr. Herbert Lessa de Azevedo – O Amazonas comemorou a 3 de maio último o cinqüentenário de nascimento do Prefeito Herbert Lessa de Azevedo, assassinado a 23 de junho de 1927, em defesa da terra e da sua gente, por vinte indivíduos alcoolizados, vindos em batelões do rio Apaurá, e que assaltaram a cidade e a Prefeitura, sob o pretexto de questões de terras, com as quais a autoridade municipal nada tinha, e matar diversas personalidades locais. O Dr. Herbert Lessa de Azevedo defendeu a cidade e a sua Prefeitura, caindo morto, varado por diversas balas. O Amazonas rendeu-lhes todas as homenagens – uma herma com o seu busto em bronze na Praça Alfredo Sá, em Manaus, obra do escultor A. Zany; uma rua com o seu nome na capital; o conselho municipal autorizou o Prefeito Dr. Francisco Pedro de Araújo Lima, o autor de Amazônia, a publicar um livro com tudo que se referisse ao moço amazonense tendo o In Memórian aparecido em 1930; a Assembléia Legislativa, o Poder judiciário, e todo o Estado renderam-se provas de gratidão. O município de Coari, importante cidade do rio Solimões, prestou-lhe grandes homenagens, - o seu nome no grupo escolar e na praça central; o seu retrato a óleo no salão da Prefeitura Municipal; enterramento acompanhado de todas as autoridades, famílias e povo e sepultura perpétua. Todos os municípios do Amazonas, sem exceção, deram a escolas, praças e ruas o nome do prefeito assassinado no cumprimento do seu dever. O Dr. Herbert Lessa de Azevedo era bacharel em ciências jurídicas e sociais, funcionário postal, tendo sido secretário de seu pai, o escritor Raul de Azevedo quando este era o administrador dos Correios do Amazonas e Acre, Prefeito de Parintins e Coary. Tinha 25 anos de idade quando foi assassinado. *fonte jornal diário da tarde, maio de 1952.


A 20 de setembro de 1938, o prefeito Alexandre Montoril, por decreto municipal, batizava a outrora praça Gaudêncio Euclides Soares Ribeiro, de Getúlio Vargas (atualmente conhecida como Praça do Cristo). Era mais um projeto da Era Vargas sendo implantado na história do país. 

A Prefeitura de Coari, citada na notícia do antigo “Jornal da Tarde” de Manaus, encontra-se demolida a mais de sessenta anos. A tela a óleo, ao jovem prefeito morto, já não se tem notícias, muito menos o grupo escolar com o seu nome. À cidade, apenas uma das ruas do bairro de Chagas Aguiar ostenta seu nome atualmente. Até hoje continuam as intervenções que promovem o esquecimento à história e memória social, deixando o local cada vez mais sem identidade e referências cronológicas. O que também é corriqueiro em todo o país. O cenário da praça primordial de Coari será esquecido mesmo para sempre. E ainda ficaria a questão: Qual seria mesmo seu cenário original?! A mesma teve seu panorama tantas vezes modificado que findou perdendo suas fundações analógicas . Todas as intervenções, provocadas por Montoril, destoariam ao momento inicial da cidade. Deixaria um legado de mal-entendidos históricos causando a impressão de que toda a biografia, à fundação da cidade, havia começado ali naquela Praça. Daí se pode perceber como um administrador, sem visão de preservação à identidade da história pública, é capaz de “corromper” a história memorial em si e, de toda uma cidade. Contudo, Montoril teve seus grandes méritos, conseguiu desenvolvê-la e ampliá-la. Passou por cima do que não conhecia, pois não era coariense, deu à cidade a cara que o quis. A rua XV de Novembro “passou a existir” por que ele foi residir na mesma. E assim foi moldando um novo cenário aos anseios daquela nobre época e também os de seus próprios. As intervenções de Montoril causariam às futuras gerações sensação de que Coari nasceu na Praça Getúlio Vargas e não na Rua Ruy Barbosa. Ao local da Praça, onde fica o sobrado de Deolindo, Montoril foi dando cada vez menos atenção. Aquele local chegou as décadas mais recentes, esquecido e desamparado, situação que tomou conta de todo o percurso histórico da rua Ruy Barbosa. A velha Praça Gaudêncio Euclides Soares Ribeiro, iluminada pelos nostálgicos postes de lampião (a querosene) do tempo da Villa e da bela epoque, traçada por uma elegante ponte de madeira, jamais seria recordada à memória dos coarienses do futuro. 




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Referencial

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BIBLIOTECA Virtual do Amazonas – bv.cultura.am.gov.br

CABOCLA, Revista. Revista de Atualidades do Estado. Fevereiro de 1937. Ano II do Governo. Governo do Estado do Amazonas - Arquivo Centro Cultural dos Povos da Amazônia. Manaus-Am

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GÓES, Archipo Wilson Cavalcante. Nunca Mais Coari: a Fuga dos Jurimáguas Coari-Am: coari.com, 2016.

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